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Áudio: Hacker cita Zambelli e admite tentativa de hackear Moraes

Exclusivo: Walter Delgatti Neto, que revelou irregularidades na Lava Jato, revela uma operação para hackear o presidente do Tribunal Superior Eleitoral

Alexandre de Moraes, presidente do TSE. Foto: Claudio Reis/Agência Enquadrar/Folhapress

Walter Delgatti Neto tornou-se famoso (e caiu em desgraça) após invadir a conta do Telegram de procuradores da Operação Lava Jato em 2019. As revelações que ele obteve e dividiu com o site The Intercept Brasil expuseram irregularidades cometidas por integrantes da Lava Jato e macularam o legado do ex-juiz Sergio Moro. Três anos depois, Delgatti tentou aumentar a lista de vítimas famosas ao se lançar em uma operação para hackear o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Informações obtidas por The Brazilian Report, junto a fontes anônimas e durante entrevistas gravadas com o próprio Delgatti, mostram que o hacker tentou encontrar meios para clonar o chip de celular usado pelo ministro com o objetivo de vasculhar os dados de Moraes à procura de informações comprometedoras sobre ele.

A revelação já seria gravíssima por si só. Mas o caso ganha contornos mais sérios quando juntado a outros elementos. 

Após a invasão ao Palácio do Planalto, Congresso Nacional e STF, a Polícia Federal encontrou em posse de Anderson Torres, ministro da Justiça do governo Bolsonaro, uma minuta de um decreto que colocaria o TSE sob estado de defesa, o que abriria a possibilidade de criação de uma comissão controlada pelo governo Bolsonaro para fazer a “apuração da conformidade e legalidade do processo eleitoral”.

Na semana passada, o senador bolsonarista Marcos do Val, do Espírito Santo, disse à revista Veja que foi coagido pelo próprio ex-presidente a participar de uma tentativa de incriminar Moraes. A ideia, descrita pelo próprio Moraes como uma “Operação Tabajara”, consistiria em gravar o ministro — na esperança de que ele dissesse algo que colocasse em xeque o processo eleitoral.

Juntos, ambos os episódios mostram uma conspiração golpista no seio do governo Bolsonaro. A revelação trazida por The Brazilian Report, no entanto, traz um novo elemento à trama.

Delgatti, que admite ter tramado a invasão aos dados de Moraes apesar de estar proibido pela Justiça de usar a internet, afirma trabalhar com a deputada Carla Zambelli — uma das mais leais aliadas de Jair Bolsonaro no Congresso. Ele diz ter um contrato de gaveta com a deputada e prestar serviços de administração de redes sociais e de site por 6 mil reais por mês. 

“Sou hacker, e estelionatário”, começava. “Num dos meus dias de ‘trampos’, encontrei um cara que fechou alguns contratos comigo, comumente viramos amigos e ele me revelou a sua identidade”. 

O “cara” era Walter Delgatti Neto, o hacker que se tornou famoso por roubar conversas pelo Telegram de membros da Operação Lava Jato que levaram à série de reportagens Vaza Jato.

A fonte, que falou sob condição de anonimato, disse que tinha provas de que Delgatti estava trabalhando para a deputada federal Carla Zambelli e para o ex-presidente Jair Bolsonaro. “E pouco tempo atrás, ele me procurou para tentar invadir o chip do Presidente do TSE Alexandre de Moraes”, disse.

O plano, segundo ele, era invadir o celular do ministro em busca de “podres” que poderiam desqualificá-lo. Moraes é considerado o nêmesis de Bolsonaro, e o principal alvo dos ataques mais ferozes do ex-presidente.

A ideia era contratar um “chipeiro”, geralmente um funcionário de uma empresa telefônica, para fazer um novo chip com o número do ministro. Nesse tipo de golpe, chamado de “SIM swap”, criminosos tentam obter acesso a ligações, mensagens e aplicativos da vítima sem a necessidade de acesso físico ao celular dela.

A fonte enviou prints da conversa pelo Telegram entre ele e o suposto hacker. “Mas pra q tu quer o do xandao?”, a fonte perguntou. “Para pegar o e-mail dele e ver o que ele está aprontando”, foi a resposta.

“Vai fazer com ele pique (sic) fez c o Moro?”, perguntou a fonte, em referência ao roubo de mensagens entre o ex-juiz Sergio Moro, responsável pela Lava Jato, e o então procurador Deltan Dallagnol — que mostravam uma série de inconsistências na operação. Hoje, Moro é senador e Deltan é deputado federal.

O hacker, então, enviou mensagens em áudio para o interlocutor, prometendo pagar 10 mil reais em dinheiro ou Bitcoin pelo serviço de SIM swap. Segundo Delgatti, haveria “um pessoal pagando por trás”.

Tanto Delgatti quanto a fonte usavam pseudônimos no Telegram. Apesar de a voz do áudio ser muito parecida com a do hacker, não foi possível confirmar a veracidade das mensagens de áudio naquele momento. Logo depois, a fonte deletou o Telegram e passou quase três meses sem entrar em contato.

A fonte reapareceu na semana passada, após a revista Veja publicar uma entrevista em que o senador Marcos do Val diz ter sido coagido por Bolsonaro a participar de uma tentativa de incriminar o ministro Alexandre de Moraes. Ele enviou novos prints de conversa com o hacker, que estava usando um novo perfil no Telegram.

Em 2 de fevereiro, nós tentamos novamente entrar em contato com Delgatti e outras pessoas que o conhecem para perguntar sobre os áudios do ano passado. Pessoas próximas confirmaram que, de fato, a voz parecia ser a do hacker.

No mesmo dia, à noite, Delgatti nos procurou pelo WhatsApp para marcar uma conversa. No dia seguinte, sexta-feira, falamos com ele em seis conversas por ligação de vídeo e voz pelo WhatsApp.

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Amanda Audi conversa com Walter Delgatti Neto por chamada de vídeo. Foto: TBR

Ele também nos procurou no Telegram. Seu perfil era o mesmo mostrado nos prints. Esta foi a primeira confirmação da sua identidade. Ao telefone, tocamos os áudios para ele ouvir. Delgatti rapidamente reconheceu a própria voz. “Ah, tá, essa voz é minha”.

“Então a matéria é essa: o Walter Delgatti encomendando um hack contra o Alexandre de Moraes”, dissemos a ele na ligação gravada. “Perfeito, é a verdade”, Delgatti respondeu.

Hoje ele está em liberdade condicional, mas cumpre uma série de medidas cautelares. É impedido, por exemplo, de acessar a internet e deixar a cidade em que reside, no interior de São Paulo.

Delgatti passou a se sentir abandonado pela esquerda, que por um tempo o viu como herói que ajudou a anular os processos que condenaram e prenderam o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Recentemente, o hacker se aproximou do bolsonarismo.

Ele se encontrou com o ex-presidente no Palácio da Alvorada em 10 de agosto do ano passado. Passou cerca de duas horas com Bolsonaro. O encontro foi intermediado por Carla Zambelli.

À imprensa, Zambelli disse que as conversas com o hacker seriam para encontrar fragilidades nas urnas eletrônicas — um dos temas mais caros a Bolsonaro. Segundo a revista Veja, porém, Delgatti teria recebido a proposta de assumir a autoria de um grampeamento ilegal do ministro, que já teria ocorrido. As circunstâncias do grampo, e se ele de fato ocorreu, ainda são incertas.

O que sabemos agora é que Delgatti também tinha a intenção de grampear o ministro naquele momento. Perguntamos a ele, por telefone, se havia uma relação entre a tentativa de hackeamento e a ligação dele com Zambelli. Ou se tudo seria apenas uma grande coincidência.

O hacker nos respondeu que o grampo seria iniciativa dele próprio, apesar de, nos áudios trocados com a nossa fonte, ter citado “um pessoal” que iria “pagar por trás”. Delgatti, porém, ressaltou que tem uma relação de trabalho com a deputada.

“Eu trabalho ainda com ela [Zambelli]. Eu cuido do site dela, das redes sociais que estão banidas no Brasil, de tudo. Eu tenho contrato de trabalho com ela”, ele nos respondeu. “Eu não sou registrado. Eu abri uma empresa, inclusive está na Veja, saiu há dois meses isso, e eu presto serviços a ela.”

“[Ela tinha] contrato com uma empresa que fazia isso já, o contrato encerrou e ela fez comigo porque eu consegui diminuir o que ela pagava. Mas ela paga com o dinheiro dela. Inclusive está atrasado este mês”. 

Segundo ele, o salário é de 6 mil reais mensais. “[Trabalho] desde aquela época [agosto]. Porque saiu na mídia aquilo [encontro com Bolsonaro] e o pessoal da esquerda que me ajudava parou de ajudar. Aí eu falei ‘ô Carla, me ajude aí, me dê um emprego’. E ela falou ‘beleza, tenho um contrato aqui com um pessoal que cuida do site, das redes sociais, tudo, que vai encerrar. Se você cobrir o valor, eu te contrato’. E eu presto serviço pra ela certinho, tem tudo detalhado”.

Inicialmente, o hacker concordou em fornecer os documentos provando seu vínculo com Carla Zambelli. Horas depois, ele voltou atrás — dizendo ter medo de perder o emprego e o salário.

Delgatti abriu uma empresa para prestar o serviço, a Delgatti Desenvolvimento de Sistemas, 12 dias depois do encontro com Bolsonaro e Zambelli. A empresa não consta na prestação de contas da deputada, seja de seu gabinete ou de sua campanha em 2022.

Desde agosto, quando a empresa de Delgatti foi criada, o valor de 6 mil reais citado pelo hacker só aparece uma vez na prestação de contas de Zambelli: em um pagamento para outra empresa, a BM Gestão de Mídias Sociais, no dia 8 de dezembro de 2022. 

A nota fiscal informa que o valor corresponde à “prestação de serviços de pós-produção, de edição e finalização de vídeos, sobre a atividade parlamentar da Deputada Carla Zambelli, para veiculação em suas redes sociais e site” no período entre 1 e 31 de dezembro — ou seja, após o período eleitoral. 

A deputada teve suas contas suspensas pelo TSE em 2 de novembro. O presidente do TSE ordenou a reativação das contas no último dia 1o. Em sua decisão, Alexandre de Moraes afirma que “houve a cessação de divulgação de conteúdos revestidos de ilicitude e tendentes a transgredir a integridade do processo eleitoral”. 

Entre os clientes da empresa estava a deputada bolsonarista Bia Kicis, que a contratou para cuidar das suas redes sociais em 2020, época na qual a deputada divulgou informações falsas sobre o coronavírus e sobre opositores de Bolsonaro. A empresa recebeu 6 mil reais mensais entre junho de 2020 e maio de 2022.

A BM Gestão de Mídias Sociais tem sede na pequena cidade de Cornélio Procópio, no interior do Paraná. O registro está em nome de Lindara Liberta da Silva. Em matéria da Agência Pública de 2020, Lindara afirma que quem comanda a empresa na verdade é seu genro, Humberto Bernardino da Silva, mais conhecido como Beto Morato, político e participante do movimento NasRuas — em que Zambelli iniciou a carreira como liderança, antes de virar deputada.

The Brazilian Report entrou em contato com Lindara, que negou ser dona da empresa. O nome dela aparece apenas mais uma vez nos registros de Zambelli. Em outubro, a empresa também foi contratada para prestação de serviços de pós-produção, edição e finalização de vídeos para as redes sociais da deputada, mas dessa vez no valor de 3 mil reais. 

Ao The Brazilian Report, Zambelli disse que Delgatti nunca trabalhou para ela. Após ser informada de que o próprio havia sido gravado falando sobre o suposto contrato, ela mudou o tom. “Eu não tenho qualquer relação com Walter no que tange grampear o Moraes”, respondeu a deputada por mensagem de texto.

Delgatti ainda chegou a marcar duas conversas presenciais com The Brazilian Report nos dias 5 e 6 de fevereiro. Mas não compareceu a nenhuma delas.

No último domingo, ele tentou mudar de versão. Disse que os áudios em que oferece 10 mil reais para grampear Moraes seriam, na verdade, de maio ou junho de 2019 (antes de ser proibido pela Justiça de acessar à internet). Mas não soube justificar porque, em um deles, menciona pagamento por Pix —  sistema de transferências instantâneas que só foi lançado em novembro de 2020.

The Brazilian Report entrou em contato com a assessoria do ministro Alexandre de Moraes, que se recusou a comentar o caso ou a responder se há alguma investigação em curso sobre tentativas de hackeá-lo.