Economy

A cidade que está sendo engolida pela terra

Quarteirões inteiros de Maceió parecem zonas de conflito, com construções destruídas por afundamento do solo, atribuído à atividade mineradora da Braskem

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Casa abandonada no Pinheiro, em Maceió. Foto: Marco Antônio Barros da Silva/TBR

Praias paradisíacas, areia branca e fina, e águas na cor turquesa. “Venha conhecer o Caribe brasileiro” é como o Ministério do Turismo tenta atrair turistas a Maceió. Em terra, porém, milhares de famílias vivem em um cenário completamente diferente. Alguns dos bairros mais tradicionais da capital do estado de Alagoas lembram áreas de conflito. 

São quarteirões inteiros sem uma casa sequer com telhas, portas e janelas. Algumas vieram ao chão. Assim como grandes edifícios. 

Famílias e comerciantes foram obrigados a abandonar suas casas e lojas. As paredes ainda de pé sofrem com o abandono e o vandalismo. Com pedidos de “justiça” e frases como “estamos afundando e morrendo”, muros e portões estampam a indignação e o desabafo de quem perdeu bens e parte da própria história.

Quase 60.000 pessoas deixaram as casas forçosamente. Cerca de 4.500 empresários perderam os negócios. Milhares de trabalhadores ficaram sem emprego. Há ainda aqueles afetados indiretamente e a certeza que haverá mais condenações de imóveis.  

Mas, ao contrário das guerras, o que causa tamanha destruição vem debaixo da terra. 

A responsável é uma uma gigante petroquímica, por meio de sua atividade mineradora, segundo pesquisadores, lideranças comunitárias e ambientalistas.    

A área é vizinha a uma zona de exploração de sal-gema por parte da Braskem, a maior petroquímica da América Latina, controlada pelo poderoso grupo Odebrecht, e com participação da Petrobras, a estatal brasileira de combustíveis.

Essas duas são as mesmas que protagonizaram aquele que é considerado o maior escândalo de corrupção da história do Brasil, desvendado pela operação Lava-Jato. Ex-dirigentes da Braskem enfrentam acusações até na Justiça dos Estados Unidos.

Ao longo das últimas quatro décadas, a Braskem — assim como empresas que passaram para o controle da petroquímica ao longo do tempo — cavaram 35 poços de extração de sal-gema em Maceió, à margem da lagoa Mundaú. O local era um destino popular entre pescadores e marisqueiros — e um dos cartões-postais da cidade.

A atividade de mineração consistia em extrair a sal-gema de cavernas subterrâneas e, após o esvaziamento da cavidade, colocar água pressurizada em seu lugar. O sal era bombeado para uma fábrica da Braskem instalada perto de Maceió, onde era transformada em produtos baseados em cloro e em produtos finais, como o PVC.

Tremor, rachaduras e crateras

Acima do solo, as operações de mineração só são vistas por meio de grandes tubos de metal sobre cada poço. As cavernas estão sob bairros populosos, onde há desde barracos erguidos em encostas e conjuntos habitacionais populares a mansões luxuosas.

Os primeiros sinais de que algo estava errado surgiram em fevereiro de 2018. Após fortes chuvas, rachaduras apareceram em imóveis e ruas do bairro do Pinheiro. Em 3 de março, veio o maior alerta. 

A terra tremeu.

Milhares de pessoas ouviram um estrondo e o sentiram o balanço de prédios. Imóveis do Pinheiro racharam com o tremor de 2,5 pontos na escala Richter. Em poucos dias, as fissuras aumentaram e surgiram outras em milhares de imóveis. Crateras se abriram nas ruas.

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Às margens da lagoa Mundaú, o Bebedouro foi duramente afetado pelas atividades da Braskem. Foto: Marco Antônio Barros da Silva/TBR
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Vista aérea do Pinheiro: um cemitério de construções. Foto: Marco Antônio Barros da Silva/TBR

As ruas e os pisos dos imóveis também começaram a afundar no Pinheiro e em dois bairros vizinhos: Bebedouro e Mutange. Os buracos chegaram a 10 metros de profundidade e 280 metros de extensão. 

Famílias deixaram casas e apartamentos ainda em março. Quem ficou teve de recorrer a vigas de ferro para sustentar a própria casa. 

A Braskem suspendeu a extração de sal-gema nos poços da região. 

Em maio de 2019, quase um ano após o tremor, foi divulgado um relatório do Serviço Geológico do Brasil, empresa pública ligada ao Ministério das Minas e Energia. Assinado por mais de 50 pesquisadores, ele afirmou que a exploração do sal-gema, feita de forma inadequada, desestabilizou as cavidades subterrâneas sob os bairros. 

Já com milhares de famílias removidas dos quatro bairros, a prefeitura de Maceió decretou, em setembro de 2019, estado de calamidade pública e incluiu o bairro do Bom Parto na área afetada. 

Acordos bilionários

A Braskem não admite oficialmente ter causado o problema. Ainda assim, a empresa já concordou na Justiça em pagar mais de 12 bilhões de reais a moradores e comerciantes da região, e em ações que minimizem os danos. Mas os pagamentos ainda estão longe de atingir efetivamente a quantia.

O Programa de Compensação Financeira e Apoio à Realocação chegou, este mês, a 6.834 propostas apresentadas aos donos de imóveis. Até agora, a Braskem pagou 4.704 indenizações às famílias da área de desocupação, somando 985 milhões de reais. 

No mais recente balanço da Braskem, 14.319 imóveis foram identificados em risco, sendo que 13.188 foram desocupados, o que representa cerca de 52.000 pessoas (92% das famílias oficialmente afetadas). 

Com 1 milhão de habitantes, Maceió tem cerca de 150.000 imóveis. Ou seja, de acordo com os dados oficiais, o incidente inutilizou, até agora, 10% das edificações da cidade e deslocou 5,5% da população.

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Funcionários da Braskem. Foto: Marco Antônio Barros da Silva/TBR

E não para de crescer registros de áreas afetadas, nem o passivo da companhia com indenizações a moradores e compensações socioambientais e urbanísticas. A primeira versão do acordo para pagamento das famílias, firmado no início de 2020, contemplava 17.000 pessoas. 

Um ano e meio depois, já se aproxima de 65.000.

Após ser provocada pelo Ministério Público Federal no fim de abril de 2021, a Defesa Civil elaborou um laudo sugerindo a inclusão de mais 10.000 pessoas no programa de indenização. São 2.700 famílias dos bairros pobres de Flexal de Cima, Flexal de Baixo, Bom Parto e Vila Saem, isolados com a desocupação dos bairros vizinhos.

Estima-se ainda que cerca de 20 mil moradores de outras localidades que trabalhavam na região perderam o emprego com o fechamento dos estabelecimentos. Essas pessoas não recebem auxílio algum da Braskem. Para sobreviver, a maioria ganha 150 reais mensais que o governo federal concede a quem perdeu o emprego na pandemia. 

Moradores e comerciantes resistem

A Braskem destaca que as pessoas atendidas no Programa de Compensação contam com orientação de técnicos sociais e apoio para a mudança — incluindo pagamento de auxílio financeiro e de auxílio-aluguel, ajuda na busca por um imóvel provisório por meio de parcerias com imobiliárias, orientação de técnicos e de assistentes sociais, guarda-volumes e apoio aos animais de estimação. Um advogado...

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